quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Te sigo esperando

A primeira visão foi aquele navio gigantesco aportado numa tarde cinzenta como são as tardes cinzentas de novembro no Rio de Janeiro. Chovia um pingo fino e irregular. Molha e não molha. A embarcação suntuosa e imponente rasgava do mar calmo até a ponta da primeira nuvem que insistia em molhar. 
“Me espera embaixo daquele grafite”, ele disse. Na imagem, enviada pelo celular, a vista do navio pra um mural de uma mulher com os cabelos voando e a inscrição: amor e saudade, te sigo esperando. 
Ninguém esperou por ninguém, é verdade. Ele foi pra casa, ele foi pro outro país, depois outro, depois outro. Eu fiquei, mas não esperei também. 
Ao se aproximar do ponto de encontro, já conseguia enxergar aquele amontoado de gente, e os camelôs em volta. Me lembraram os nossos carnavais pulando pelo Porto, dançando livres e juntos. Me lembrei de quando olhei pra ele, uma vez, com um adereço de flores na cabeça, o sorriso no rosto e cantei: te amo, mi amor.
Não eram foliões e nem era carnaval. Várias filas de gente se aglomeravam para entrar na embarcação. Andei por um lado e por outro. Não queria esperar.

Um camelô ofereceu uma cerveja. Mas a boca seca e as mãos molhadas de suor impediam qualquer movimento que não fosse esperar.

Atravessei os trilhos do VLT e acabei aguardando obediente e atento por um sinal. “Procure um pontinho rosa na multidão”, orientei. Uma senhora se atrapalhava entre as bagagens e duas crianças. “Mamãe, vou com tia Sônia”, disse uma das crianças ao abandonar a mulher na chuva. Me virei, de repente, e vi o sorriso dele vindo em minha direção. O sorriso vem antes dele, sempre veio. O sorriso dele vem antes de tudo, vem antes dele próprio. 

Não sabíamos mais como cumprimentar. Um beijo? Os rostos se atrapalharam, mas as mãos trataram de encerrar um abraço que não abraçava há 2 anos.

“Você está tremendo”, ele disse. “Quero beber uma Original”, completou. O sabor da cerveja de tantos bares que sentamos e de tantas risadas que demos nesses bares. 

Olhei nos olhos dele e me vi de novo como não via há algum tempo. Um espelho repleto de penduricalhos de recordação e generosidade aberto só pra mim. 

Andamos, fumamos um cigarro, falamos da vida e, enfim, sentamos.

Aqui, a conversa não importava. O que comunicava era o sorriso dele, o mesmo sorriso que a minha memória nunca esqueceu. Como poderia? Na hora, lembrei de quando ele parou de sorrir há 2 anos atrás. 

O tempo voou na mesa de bar, e ele tinha que voltar para o barco. Era tripulante daquele monstro atracado no mar, e a hora tornava o reencontro restrito. Restrito e completo, porque, como aprendi, a restrição tornava a saudade ainda mais latente, e o encontro ainda mais leve. 

Ele avistou três colegas do sobral de onde sentamos para conversar, beber, fumar e comer pastéis de pernil com abacaxi. “Hey, where are you going?”, ele gritou. 

Um dos rapazes esticou a cabeça e me olhou curioso. “Quem era aquele menino, que morou em outra vida daquele colega agora ali sentado tão confortável, mesmo fora de sua cidade natal?” Isso foi o que eu pensei sobre o que o cara pensou. 

“A cidade está menos Rio de Janeiro”, ele disse, e eu respondi: “está diferente, mas igual”. Como nós dois. As rugas no rosto mais velho tiraram, enfim, a carinha de moço que ele tinha, mesmo 5 anos mais velho que eu. O olhar curioso nos olhos de peixe ainda estavam intactos. 

Ele pagou a conta. Fomos caminhando de volta pro barco.

“Eu preciso levar um açaí pro meu crush brasileiro”, disse. Dei um tapinha na cabeça dele. “Não vai levar nada”, respondi. Rimos. Na entrada pra embarcação, um novo abraço. Dessa vez, a boca não esperou. Já sabiam o caminho uma da outra. Trocamos alguns beijos, felizes. E eu o vi entrar no barco pulando e sorrindo. 

Te sigo esperando. 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Dona velhinha

Escrevo esta cartinha
Pra uma dona velhinha

Recita Castro Alves
E as belezas do Mato Grosso
Emenda o laço de fita
Com palavra, rima e oração

Na frente da quadrilha
Ele desvelhinha

É clown, é caroço, é coro
Tem na velhinha um espírito em movimento
Uma tela não é nela, na velhinha, que é tempo
Tem nessa velha um doce de canela
Nas memórias rugas
No fio lisura
Em Ceci, em Clari, em Drummond

Sentada no banco
Ela desvelhinha

Tem uma velhinha
Que conta historinha
Que conta piadinha
Que fala da vizinha
Que enche a cozinha
De coisinha, canetinha, palavrinha, de inhas, inhos, inas, in braço

Chorando no cantinho
Ela revelalinha

Nasci sem nada, nada saber
Hoje não sei só ler
Hoje sei rir
Sei fingir
Sei contar

Nos versinhos da velhinha
Existe eu
Existe o berço
Existe a árvore
E o balanço
Existe a tinta
E a fantasia
Existe Pedro Álvares Cabral
Existe anjo, existe sim
Existe também perversão
Gargalhada inha, zinha, minha, fininha

Escrevo esta cartinha
De fora do cerco da cidade
Do seu netinho, velhinha
Que é saudade
Saudadinha.

Paga

Vem paga de cult
Diz que dá pra Godard
Fala que fode Foucault
Mas não soletra sozinho o sol que sobe a letra
a rima parnasiana
desse clipe
dessa onda
dessa vibe
super simples
super super
superfular supersugar

sábado, 22 de setembro de 2012

Anestesia

Quem não conhece, que me tire a radiografia. Aqueles traços disformes. Azul, lilás, sem cor, sem nada. Aquela chapa de plástico que quer contar a história do meu corpo. Não há nada que ele possa falar. É apenas plástico. O corpo está ali, parado. Na cama, deitado em lençóis desconhecidos.
A minha pele coça e o cheiro de éter e das flores ao lado da cama só aumentam a sensação de morte. Necrotério. Mas eles chegam e olham, dóceis, doces, doentes. Parentes, amigos, enfermeiros, médicos. Todos assépticos, devidamente limpos de vida. Só restam choro e indiferença.
 Até que ela passou e parou:
 - Está melhor hoje, meu rapaz?
 O corpo queria sorrir, mas eu só queria ficar em silêncio.
- Vai dar tudo certo, eu sei.
 Os olhos dela eram diferentes. Não tinham pena, nem tinham dor. Aqueles olhos estavam cheios de luz.
 - Obrigado. - respondi.
 Ela parou e continuou me olhando. Deixou os panos, vassouras e esfregões, seus companheiros diários, para olhar para mim.
 - Eu precisava falar, menino. Precisava dizer isso para você, porque eu sei que vai ficar tudo bem. - a voz dela era antiga, apesar das poucas rugas.
 - Quem é você?
 - Ninguém.
 - Quem é você? 
- Olhe aqui no meu crachá. - disse, estendendo a identificação pendurada no pescoço.
 Olhei para o lado. Não queria olhar a foto. Queria os olhos.
 - Não quero saber seu nome. Se veio me dar uma boa notícia, diga, pelo menos, quem é você.
 Ela olhou como se, finalmente, entendesse. Pegou os seus companheiros diários de ofício, virou as costas e disse, ao fechar a porta:
 - Eu sou sensação.
 Enquanto ela saia, uma horda de médicos entrou na sala. Um deles falou comigo, enquanto trocava o meu soro.
 - Você vai se sentir sonolento.
 Vai tudo dar certo. Ninguém me olhava. Anestesia.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

The few


Um presente que eu roubei do blog da Mariana.

Morning is due to all -
To some - the Night -
To an imperial few -
The Auroral light.

DICKINSON, Emily. A branca voz da solidão. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2011, p.78-79.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Navegar na Luz


Um conto de Gabo

 










 La luz es como el agua 
Gabriel Garcia Marquez

Se prefere o conto na versão original, em espanhol, aqui



Imagens 'roubadas' do Flickr de Omar Andrés Torres Vélez. 

No Natal os meninos tornaram a pedir um barco a remos.
— De acordo — disse o pai —, vamos comprá-lo quando voltarmos a Cartagena.
Totó, de nove anos, e Joel, de sete, estavam mais decididos do que seus pais achavam.

— Não — disseram em coro. — Precisamos dele agora e aqui.
— Para começar — disse a mãe —, aqui não há outras águas navegáveis além da que sai do chuveiro.
Tanto ela como o marido tinham razão. Na casa de Cartagena de Índias havia um pátio com um atracadouro sobre a baía e um refúgio para dois iates grandes. Em Madri, porém, viviam apertados no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Mas no final nem ele nem ela puderam dizer não, porque haviam prometido aos dois um barco a remos com sextante e bússola se ganhassem os louros do terceiro ano primário, e tinham ganhado. Assim sendo, o pai comprou tudo sem dizer nada à esposa, que era a mais renitente em pagar dívidas de jogo. Era um belo barco de alumínio com um fio dourado na linha de flutuação,
— O barco está na garagem — revelou o pai na hora do almoço.— O problema é que não tem jeito de trazê-lo pelo elevador ou pela escada, e na garagem não tem mais lugar.
No entanto, na tarde do sábado seguinte, os meninos convidaram seus colegas para carregar o barco pelas escadas, e conseguiram levá-lo até o quarto de empregada.
— Parabéns — disse o pai. — E agora?
— Agora, nada - disseram os meninos. — A única coisa que a gente queria era ter o barco no quarto, e pronto.
Na noite de quarta-feira, como em todas as quartas-feiras, os pais foram ao cinema. Os meninos, donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, e quebraram a lâmpada acesa de um lustre da sala. Um jorro de luz dourada e fresca feito água começou a sair da lâmpada quebrada, e deixaram correr até que o nível chegou a quatro palmos. Então desligaram a corrente, tiraram o barco, e navegaram com prazer entre as ilhas da casa.
Esta aventura fabulosa foi o resultado de uma leviandade minha quando participava de um seminário sobre a poesia dos utensílios domésticos. Totó me perguntou como era que a luz acendia só com a gente apertando um botão, e não tive coragem para pensar no assunto duas vezes.
— A luz é como a água — respondi. — A gente abre a torneira e sai.
E assim continuaram navegando nas noites de quarta-feira, aprendendo a mexer com o sextante e a bússola, até que os pais voltavam do cinema e os encontravam dormindo como anjos em terra firme. Meses depois, ansiosos por ir mais longe, pediram um equipamento de pesca submarina. Com tudo: máscaras, pés-de-pato, tanques e carabinas de ar comprimido.
— Já é ruim ter no quarto de empregada um barco a remos que não serve para nada.
— disse o pai — Mas pior ainda é querer ter além disso equipamento de mergulho.
— E se ganharmos a gardênia de ouro do primeiro semestre? — perguntou Joel.
— Não - disse a mãe, assustada. — Chega. O pai reprovou sua intransigência.
— É que estes meninos não ganham nem um prego por cumprir seu dever — disse ela —, mas por um capricho são capazes de ganhar até a cadeira do professor.
No fim, os pais não disseram que sim ou que não. Mas Totó e Joel, que tinham sido os últimos nos dois anos anteriores, ganharam em julho as duas gardênias de ouro e o reconhecimento público do diretor. Naquela mesma tarde, sem que tivessem tornado a pedir, encontraram no quarto os equipamentos em seu invólucro original. De maneira que, na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam O Último Tango em Paris, encheram o apartamento até a altura de duas braças, mergulharam como tubarões mansos por baixo dos móveis e das camas, e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos tinham-se perdido na escuridão.
Na premiação final os irmãos foram aclamados como exemplo para a escola e ganharam diplomas de excelência. Desta vez não tiveram que pedir nada, porque os pais perguntaram o que queriam. E eles foram tão razoáveis que só quiseram uma festa em casa para os companheiros de classe.
O pai, a sós com a mulher, estava radiante. — É uma prova de maturidade — disse.
— Deus te ouça — respondeu a mãe.
Na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam A Batalha de Argel, as pessoas que passaram pela Castellana viram uma cascata de luz que caía de um velho edifício escondido entre as árvores. Saía pelas varandas, derramava-se em torrentes pela fachada, e formou um leito pela grande avenida numa correnteza dourada que iluminou a cidade até o Guadarrama.
Chamados com urgência, os bombeiros forçaram a porta do quinto andar, e encontraram a casa coberta de luz até o teto. O sofá e as poltronas forradas de pele de leopardo flutuavam na sala a diferentes alturas, entre as garrafas do bar e o piano de cauda com seu xale de Manilha que agitava-se com movimentos de asa a meia água como uma arraia de ouro. Os utensílios domésticos, na plenitude de sua poesia, voavam com suas próprias asas pelo céu da cozinha. Os instrumentos da banda de guerra, que os meninos usavam para dançar, flutuavam a esmo entre os peixes coloridos liberados do aquário da mãe, que eram os únicos que flutuavam vivos e felizes no vasto lago iluminado. No banheiro flutuavam as escovas de dentes de todos, os preservativos do pai, os potes de cremes e a dentadura de reserva da mãe, e o televisor da alcova principal flutuava de lado, ainda ligado no último episódio do filme da meia-noite proibido para menores.
No final do corredor, flutuando entre duas águas, Totó estava sentado na popa do bote, agarrado aos remos e com a máscara no rosto, buscando o farol do porto até o momento em que houve ar nos tanques de oxigênio, e Joel flutuava na proa buscando ainda a estrela polar com o sextante, e flutuavam pela casa inteira seus 37 companheiros de classe, eternizados no instante de fazer xixi no vaso de gerânios, de cantar o hino da escola com a letra mudada por versos de deboche contra o diretor, de beber às escondidas um copo de brandy da garrafa do pai. Pois haviam aberto tantas luzes ao mesmo tempo que a casa tinha transbordado, e o quarto ano elementar inteiro da escola de São João Hospitalário tinha se afogado no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Em Madri de Espanha, uma cidade remota de verões ardentes e ventos gelados, sem mar nem rio, e cujos aborígines de terra firme nunca foram mestres na ciência de navegar na luz.

Dezembro de 1978.

Texto extraído do livro "Doze contos peregrinos", Editora Record – Rio de Janeiro, 1999, pág. 215, tradução de Eric Nepomuceno. Disponível em: http://www.releituras.com/i_orlando_ggmarquez.asp

Se gostou do conto, vai se apaixonar por essa animação da Série Imaginantes, produzida pela Televisa (México), baseada em "La Luz es como el agua"

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Lavagem

O véu branco lhe cobria a cabeça. O traje preto lhe cobria o corpo. Uma ave Maria lhe cobria a culpa. Os joelhos, já esfolados, permaneciam firmes como se tivessem raízes naquele chão. Os olhos compenetrados nos olhos da Virgem.
Já era tarde. A outra Irmã que lhe fazia companhia na viagem já dormia há horas. Mas Laura insistia. O terço era parte inerente a ela. E ela continuava suas preces constantes.
A penumbra e o terror invadiam o espaço. Só se via a sombra de Irmã Laura à luz de um candeeiro. À medida que a vela ia se consumindo, o ardor da Irmã aumentava. Seu coração batia forte e sua pele, quente, lateja. Entretanto, ela não vacilava em sequer uma das rezas e seu corpo era como uma estátua, inerte. Nem as gotas de suor que iam escorrendo por baixo de seu vestido, nem a luz que ia se acabando, nem a madrugada pareciam a incomodar. Sua penitência era seu dever. Seu sofrimento era sua redenção.
- Ave Maria cheia de graça...
E não cansava de repetir a prece. Se cansasse, desagradaria a Virgem. Suas palavras firmes ecoavam baixinho pelo aposento apertado.
- Bendita sois vós entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
Os ruídos dos carros na rua se confundiam com os sussurros da Irmã.
- Santa Maria, a mãe de Deus, rogai por nós pecadores...
Os punhos alinhados eram pressionados um contra o outro fortemente, como se alguém os tivesse acorrentado.
- ... Agora e na hora de nossa morte.
E a luz acabou. Está Consumado.
- Amém.
Ela então foi se levantando devagar, tentando equilibrar o peso das vestes. Estava limpa de seu pecado, mas embebida em suor. Tateou até encontrar a mesa de cabeceira e acendeu o abajur. Olhou para o lado. Queria tirar as roupas, mas precisava se certificar de que sua companhia não acordaria. “O corpo deve ser coberto para que a ilusão de suas formas não seduza a ninguém” – lembrava de suas palavras naquela manhã. O quarto compartilhado não fora sua decisão. Entretanto a Irmã já estava acostumada a se trocar na penumbra. Temia que fosse ela própria enganada por sua carne nua.
Tirou primeiro o véu encharcado. Apertou-o contra as mãos. Era preciso expurgar o maligno. Abaixou-se para puxar as vestes, então escutou um barulho. Um sussurro de vozes distantes. Gritos de mulher ao longe.
Irmã Laura se apressou até a janela com cuidado para não acordar sua companheira de quarto. Abriu devagar as cortinas. A janela já estava aberta. O vento quente lá de fora soprava contra seus cabelos molhados de suor. Esticou um pouco o pescoço. Já podia ver de onde vinha o barulho.
Três mulheres. Uma loira, duas morenas. A esquina deserta ficava preenchida pela presença delas. Seus corpos delineados pela pouca roupa que vestiam. Seu rosto acentuado pela maquiagem borrada. Irmã Laura, debruçada sobre a janela, acompanhava a cena. Seus olhos seguiram em direção a loira.
Ela estava com uma calça de couro. Um sutiã de lantejoulas pretas completava o figurino. Os olhos dela chamaram a atenção da Irmã. Eram pequenos. Suaves e pequenos. Estavam apertados entre a sombra rosa e os cílios postiços. Mas a Irmã foi capturada por eles.
O suor voltava a escorrer pelo seu corpo. Agora, com muito mais intensidade.
A loira deu uma risada. Alta e vulgar. O olhar de Laura agora estava cativo a boca da mulher. Lábios macios e vermelhos. Vermelhos de batom e de pecado. Era como se a Irmã visse sangue escorrendo pela boca da loira. Sangue impuro, maldito.
Laura estava quente. Sua mão foi até os lábios. E os tocava com lascívia. Sua língua fresca lambia os dedos um por um. O jejum estava quebrado. Em sua boca havia sangue; em seu estômago, a loira; em seu coração, pecado.
Um carro parou bem em frente aquelas mulheres. O vidro foi se abaixando. A loira foi até ele. Tentou olhar para o motorista ainda de pé. Foi se reclinando na janela do carro.
Laura agora penetrava seus olhos na bunda da mulher. A carne comprimida pelo couro. As coxas se batiam uma a outra, enquanto a mulher negociava com o suposto cliente.
Laura desceu suas mãos até suas pernas. Levantou as vestes. Precisa de toque. Precisa segurar seu corpo. Precisa de desejo. Apertou suas pernas e foi deslizando suas mãos por elas. Seus olhos já não olhavam, mas exprimiam sua libido.
As mãos agora apertavam suas nádegas. Todo seu corpo fervia. Ela queria ser desejada. Precisava disso. Sua pele gemia cada vez que seus dedos se atreviam a andar pelo corpo.
E os seus dedos passaram então a dançar. Eles percorriam o corpo de Laura sem rumo. Sua boca começou a soltar gemidos quase mudos.
Laura queria ser como a loira. Desejada. Procurada. Vulgar. Entretanto não havia lugar para inveja. O único sentimento que ela sentia era desejo. E ele a ocupava por completo. Todo seu corpo estava prostrado. As gotas de suor agora a limpavam de outra forma. Não havia mais espaço para pecado. Não havia espaço para santidade. Não havia espaço para mais nada.
O relógio despertou. Depressa, a Irmã correu até o banheiro. As vestes deslizaram a um só movimento. Abriu o chuveiro.