quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Manifesto Patriótico



Minha terra tem palmeiras,
 Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Gonçalves Dias. Canção do Exílio

Exaltar o verde-louro latino. A conquista de heróis. As medalhas do passado.. Isso é falar de pátria?
O país que não para de crescer. O ufanismo nacionalista. A defesa das nossas terras. Isso é ser patriota?
Afinal, que heróis? Temos por acaso heróis nessa pátria? Os Pedros príncipes? Não. Os marechais e generais que a mão de ferro subjugaram o país? Não
E que medalhas do passado? A fome e a pobreza histórica? O preconceito racial? A sucessão de injustiças a que os cidadãos passam?
E enfim, que terras? Será o Brasil a nossa terra? Essa terra que, em mãos de poucos, perde seu valor social e serve apenas ao Rei Lucro? Essa terra que é tomada de nossa gente por grande latifundiários?
Que Brasil?
Que pátria?
Não viemos aqui homenagear essa pátria.
Não viemos condecorá-la com Honrarias de araque.
Falaremos de outra pátria.
A pátria do samba.
A pátria dos morros.
A pátria do sertanejo.
O Brasil amazônico.
O Brasil de bombachas.
Pra nós essa é a pátria que merece homenagens. É o nosso Brasil, que mesmo com inúmeros problemas e adversidades é o lugar feito especialmente pra nós.
É o lugar onde podemos chamar de lar. É onde nos sentimos acolhidos pelos sorrisos abertos e pelo abraço apertado.
Não queremos exaltar o Brasil pela sua grandeza continental ou expressão econômica.
Mas sim pela grandeza de seu povo. Pela determinação da nossa gente. Pela vibração nos estádios de futebol. Pela felicidade em época de carnaval. E fora dela. Pela alegria em nossas praias, nas nossas cidades, em nossas favelas.
Não ao Brasil-Estado. Não ao Brasil de Vargas, dos generais, ou ao país de Lula. Mas sim exaltamos aos verdadeiros filhos desse país. Filhos que tem sim uma mãe gentil, mas que muitas vezes maltratada por bastardos.
Não ao Brasil-empresa, que mantém seu PIB crescendo em detrimento de milhares de famintos. Mas sim ao grande e diverso prato de comida que é o nosso país. Ao colorido dos pássaros. Ao colorido da criança. Ao colorido das festas de frevo.
Não ao Brasil-cartão-postal do Cristo Redentor e das praias nordestinas. Mas sim ao país que alcança sua redenção nos corações pulsantes do seu povo.
E enfim, não ao Brasil-“pacífico e ordeiro”. Não ao povo que se cala. Mas sim a multidão que vai pra rua. Que protesta no twitter. Que está cansada dos monstros profanos da política brasileira.
Para além de um discurso clichê, falar sobre nossa pátria é saudar nossos compatriotas.
Porque o país com que sonhamos é aquele que construímos.
Salve o futuro do Brasil, que hoje leva suas novas asas para casa.
Salve um Brasil além das palmeiras e dos sabiás. Além das aves que gorjeiam.
Porque hoje não gorjeiam apenas aves. Hoje quem grita somos nós.
Hoje não voam apenas sabiás. Mas sonhos de uma juventude com fome de atitudes.
Hoje não apenas palmeiras enfeitam nossa paisagem. Um multicolorido extravasa pelas fronteiras do país.
Essa antropofagia tupiniquim.
Esse lugar definido pela indefinição.
Esse lugar que é um não-lugar
Lugar de todas as culturas que ao mesmo tempo forja sua própria peculiaridade.
E são essas particularidades que fazem daqui o nosso lugar.


Discurso em Homenagem à Pátria da minha colação de grau no Pedro II =) . O texto leva a autoria de Julia Nevares, Tainá Lopes e a minha né... João Victor Barbosa

sábado, 31 de outubro de 2009

Hora de amanhecer



As Horas - Salvador Dali

Chega outubro, novembro, e o mesmo se repete. Andiantar os relógios uma hora. Sinal de que a estação do sol está chegando. The sun, the beaches... As 6 da tarde o sol ainda a pino invade os quartos, quebra as cortinas, deita nos rostos.
O horário de verão me incomoda. De uma forma peculiar, mas incomoda. Parece que ao adiantarmos os ponteiros trazemos com esse gesto algo de sobrenatural, um pó mágico, um agitar de varinhas de condão. Um novo cheiro toma conta do ambiente. Cheiro de terra molhada. Cheiro de calor. Um novo clima de luz , de clarividência. Faz as velhinhas conversarem até tarde nas pracinhas. Faz a gente esquecer que existe a noite. A penumbra perde o tesão.
Minha vida escura enfim começa a ser iluminada e começa a irradiar suas cores ainda tímidas nas palavras. O olhar simulado encontrando enfim alguma verdade. Os vestidos soltos e floridos das meninas a desabrochar em botões de margaridas.
Algo que escrevi no início das minhas frustadas tentativas poéticas. Só agora conseguindo entender a beleza e validade desse frasco de perfume:

Luz
Entra pela janela
Escorre pelos teus olhos

Num estalo
Rasgo as cores em flores
E entro no seu halo

Flutuar com os pássaros
Dançar com os anjos
Vivendo e deixando que traga os sonhos

João Victor



segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Afonso chorou

Complicação?
Questionamentos?
Complexidades?

Minhas mãos suadas entre as suas
Minhas lágrimas no seu rosto
Seu soriso no meu
Simples assim.







ps: Te amo

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Parabéns, amiga!

Texto pra minha melhor amiga. Aniversário de 18 anos! *-*

Toca o telefone. Quem será? Ah, é a Jéssica. Agora já era. Seriam horas e horas falando. Será que poderia medir todas as horas passadas com você no telefone? Eu não consigo mas com certeza a Oi conseguiu e nossas contas telefônicas sempre vinham com pulsos a mais. Fazer o que né!
Desde os primeiros passos. As primeiras palavras rabiscadas no papel. Nossas letras grandes e redondas, nossos corações crescendo e se convergindo. Sempre houve uma afinidade. Pique-esconde, amarelinha e pula corda. Corram todos. Eu sempre era o mais lerdo.
Depois a fase da depressão. Isso mesmo. A grande transição entre a infância e a adolescência. Mas que coisa terrível! Já ouvi várias vezes a insanidade de que adolescência é a melhor fase da vida. Discordo. A melhor fase da vida é a que vivemos. É o presente. É a melhor porque nós estamos a moldando. Com nossas escolhas damos o tom e as colorações, usando tinta que não se pode remover. Voltamos, tentamos apagar o que é inapagável. Mas de que vale apagar? De que valeria remover as tristezas? Se é nelas que crescemos. É nas crises que somos forjados, tenho certeza. E qual não será maior crise do que crescer?
Depois vieram as flores. Com alguns espinhos, de certo, mas de um esplendido amarelo. Um amarelo vivo e eficaz. O primeiro beijo. Os choros pelas paixonites de menina. As brincadeiras. As palhaçadas dos amigos, minha gargalhada fatal, laços que nunca serão quebrados, pessoas que nunca serão esquecidas. E é claro não poderíamos deixar de mencionar as incríveis obras teatrais. É. Isso mesmo. Esse agora que vos fala já foi escritor de peças. E a menina de que discorro aqui minha atriz preferida. A única capaz de interpretar papéis como de uma maluca caipira, Mari mar e uma testemunha ocular de um crime (que era doida também). Acho que tantos papéis bizarros e loucos se devem a capacidade criativa da minha menina. Ah, esqueci de mencionar. Já me apropriei dela. Acho que depois de passadas cerca de 316 palavras já posso chamá-la assim. Minha menina. Enfim, a minha menina teimosa demais, sonhadora de menos. Aprendi com você a colocar os pés no chão. E tento sempre, ainda que com pouco êxito, te ensinar a voar. A observar o céu azul, o vento no rosto e contemplar os raios do sol nascente da nossa trajetória.
Quanta teimosia hein! Quantas trapalhadas! A menina que conquista o motorista, o trocador e o despachante [interna]. As longas viagens. O colégio que mudou por completo o nosso caminho. Não gosto de exaltar instituições, mas seria um erro não mencionar o papel do Pedro II nas nossas vidas. Não como “autarquia do ministério da educação”, mas sim pelas pessoas. Cada professor, cada colega, cada aprendizado. Mais que matemática e português, aprender a subtrair os erros e que amar é um verbo intransitivo. Isso sim. Amar. Apenas amar.
Minhas palavras inexatas, esses rabiscos feitos com tinta e amor são acima de tudo um agradecimento. Obrigado por estar comigo. Obrigado por me apoiar. Obrigado por fazer parte da minha vida. Essa vida tão confusa, tão incerta. Nas nossas incertezas nos complementamos.
Acredito que nada que vivemos foi acaso. Tudo já estava planejado e hoje posso dizer que se voltasse atrás viveria tudo outra vez, porque estou certo que passamos juntos os piores e os melhores momentos. Minha amiga, minha irmã, pra sempre comigo. Você já é uma marca na minha vida e não sei se agüentaria uma abstinência prolongada de você.
Só me resta dizer uma coisa: Te amo! Não o amor dos apaixonados, não o amor das loucuras, também não aquele amor são. O único amor que você considera verdadeiro. O amor dos amigos. O amor dos cúmplices. Te amo, amiga!
Parece que a já é hora de desligar o telefone. Minha mãe me gritou e você tem que ajudar o Rafael com o dever de casa. Desejo que você não cresça, mas cada vez mais seja a menina. A minha menina. Beijos pra ela.

João Victor
Seu amigo n° 1!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Querido Diário

Aquele beijo molhado
Seu soriso que desvenda
Desvenda meus segredos
Desvenda meu corpo
Descobre minhas fraquezas
Fazem minhas mãos suar
E soa seu brilho
Canta distante
Segue errante
De novo e de volta
E sempre e nunca
Será eterno
Maçã no rosto, maçãs nos lábios
Chuva no rosto, meus lábios nos seus

sábado, 1 de agosto de 2009

A Porta

Minha casa não tem janela. Invés de tijolos, pedras. No lugar de luz, escuridão. Aqui o ar é rarefeito. É preciso respirar fundo para enfrentar as terríveis noites. Terríveis e intermináveis. Só se ouvem o estalo do pingo d’água na pedra gelada, gemidos, ecos, vozes sem dono.
Na minha casa só há uma porta. A porta de saída. As astes de aço refletidas pela chuva. Os vidros. Espelhos para o mundo. Seria aquilo mesmo real?
As cores. Amarelo. Vermelho. Cor púrpura que me paralisa. Quero um vermelho que não seja pecado. Q uero um vermelho velado. Vermelho que não seja sangue. São só imagens. Apenas sonhos. Só conheço um vermelho. Aquele que corre nas veias. De resto tudo é opaco.
Ainda que não seja verdade, quero atravessar o portal. Ver a mentira. Ver o oculto. Tocar o impalpável. Respirar a atmosfera dos pássaros. As pedras impendem minha loucura. Uma voz de acusação. Alguém mais aqui? Claro que não. É apenas meu medo querendo me podar. Detesto minha prudência.
O sol tímido reflete no vitral da minha salvação. É só abrir. Alguns passos. As mãos frias e molhadas pela ansiedade tocam a fechadura. Mais uma vez as pedras sussurram. Será um aviso? As pedras não falam, não seja fraco. A porta se abre sozinha (ou terão sido minhas mãos apressadas?) Meu corpo não me ouve.
Apenas escuto o riso das folhas. Elas me chamam. Dizem meu nome, posso escutar. Os pés vacilam, o vento me empurra. Adeus casa. Adeus pedras. Adeus cinza opaco.
O corpo sente o vento contra si. Já não se meche. Olhos abertos para os últimos segundos. Um pensamento de relance: “Terá valido a pena?!” Apenas um milésimo de susto.
Não quero morrer sem antes ver os pássaros. Sentir o aroma das frutas. O vento contra o rosto. O vermelho que é verdade. O vermelho das maçãs. Não quero morrer com cinza. Quero morte em vermelho. Sangue vivo molhado pela chuva. Reverenciado pelo Sol. Não vou morrer antes do primeiro suspiro. Pelo menos enquanto caio, vejo um chão que não é pedra. E que o homem ao pó da terra retorne.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

sweet instant


Doce que doce
Estrelinha do mar
Vem me encontrar
Vem me ninar

Seus olhos brilham
Espelhos a sonhar
Vou com você
Riso, brilho, luar

Num quarto escuro
Triste a chorar
Doce que doce
Mais doce a sonhar

Nas almofadas
Do seu coração
Pulo e me aqueço
Ao toque das mãos

Vejo um clarão
Você vai entrar
Doce que doce
Vem me abraçar

Ela: minha inspiração")

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Nascimento

Primeira Fisgada
Olhos molhados, vestido molhado
O momento chegou
Panos quentes, lençóis limpos
Papel branco, lápis, livros

A cada contração um espasmo no rosto
Uma lágrima nasce de seus olhos cansados
Alegria ou dor? Corpo pesado

O ventre já não lhe basta
Quer ver gente
Quer ser visto
Então sussurra por dentro:
“Deixe sair”
Cada vez que repete essas palavras
Como um mantra sagrado de dor
Um estalo sangrando de amor

Tudo se contrai e se espande
Um grito mudo
E à luz do mundo
Nasce canção
Nasce grande, forte e valente
Nos braços da progenitora
Chora ela
Chora ele
Sorri a vida
Um sorriso desenhado nos lábios
Toque suave feito lã
Poeta eis aí teu filho
Poesia eis aí tua mãe


João Victor
"Maternidade". José Sobral de Almada Negreiros. 1935. óleo sobre tela.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O lobinho nunca mente




Curta fantástico! Reflexão sobre a vida em 9 minutos...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Devaneios

Estar perto
Tentar
Ouvir blues
Comendo chocolate
Passar as tardes
Brincar nas nuvens

Estar de bem
Amar a cem
Amar sem ter
Bem perto
Brincar no sol

Ser feliz sem barreiras
Jogar
Se jogar
E simplesmente
Banhados pelo azul
Ser sul, ser norte
Acender
Apagar

A noite é fria
A lua é grande e redonda
Em torno de nós
A cada onda de espuma
Apenas o calor
As labaredas que nos esquentam
E as alamedas verdes vão passando
Nos separando
Cada um sabe o caminho
Sabe o destino
Segue sozinho
Segue no frio

JOão Victor

domingo, 31 de maio de 2009

Amenidades


Hoje uma borboleta invadiu meu quarto
Estava escuro
Sem vento, nem barulho

Hoje uma borboleta entrou pela janela
Batendo as asas amarelas
Feito pintura em tela

Hoje uma borboleta pousou nas minhas cortinas
Aguçou minha imaginação
Beijando as flores do edredom

Um pedido eu fiz a ela
À borboleta da janela
Voa, voa sobre mim
Traga o néctar do alecrim
Da petúnia, do jasmim
Faz minha casa seu jardim

JOão Victor




"Poesiazinha" essa! Com um quê de infância. (risos=)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Jongo no Quilombo São José


Estrada de chão
É Pau-a-pique, é São José
Sou quilombola, sim senhor
Filho de preto o que é?

Batuque no escuro
Morena bunita vai tabear
Quero ver quem não vai se juntar
Quando o jongo começar

IoiÔ canta
Iaiá levanta
Levanta a saia
E entra na dança

Quem é branco vira preto
Quem é preto vai dançar
Celebrando a liberdade, realidade iludida
Marcada no passo, no sorriso, na batida, no olhar.

Jogar o charme
Sentir o som do tambor
Jogar o corpo e jongar
Calor

O dia tá clareando
A fogueira apagou
Fuligem voa no ar
Machado pra terminar

JOão Victor






Situando a poesia:
Passei o sábado e o domingo no Quilombo São José, numa festa que esbanjou alegria e efervescência de cultura
afrobrasileira
. Depois eu ainda vou postar mais sobre o Quilombo

terça-feira, 12 de maio de 2009

Rabiscos de mim


Vertigem - OsGêmeos ( no CCBB Rio até o dia 17 de maio. Recomendo)


Apaguei
Não mais rosas
Não mais traços

Rabiscos
E mistos
De grafites

Figura disforme
contorno insiste
cor resiste

Grafite
Grite
Risque
Rabisque

Restam linhas
Linhas tortas
Metamorfas
Palavras?

Arrisque....
Não pisque
Sou eu
Nada importa
Mas persiste
Nada existe

Acredite


João Victor 

sábado, 4 de abril de 2009

Bandeira Branca

Conto do Erico Veríssimo só que com um final meu.
Fiz pra um concurso em 2007. Apesar de nao ter ganho o concurso, o fim ficou muito bom
confere ai
:


Ele: tirolês. Ela: odalisca; Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia. Tentaram recomeçar o montinho, mas dessa vez as mães reagiram e os dois foram obrigados a dançar, pular e entrar no cordão, sob ameaça de levarem uns tapas. Passaram o tempo todo de mãos dadas.
Só no terceiro Carnaval se falaram.
- Como é teu nome?
- Janice. E o teu?
- Píndaro.
- O quê?!
- Píndaro.
- Que nome!
Ele de legionário romano, ela de índia americana.
Só no sétimo baile (pirata, chinesa) desvendaram o mistério de só se encontrarem no Carnaval e nunca se encontrarem no clube, no resto do ano. Ela morava no interior, vinha visitar uma tia no Carnaval, a tia é que era sócia.
- Ah.
Foi o ano em que ele preferiu ficar com a sua turma tentando encher a boca das meninas de confete, e ela ficou na mesa, brigando com a mãe, se recusando a brincar, o queixo enterrado na gola alta do vestido de imperadora. Mas quase no fim do baile, na hora do Bandeira Branca, ele veio e a puxou pelo braço, e os dois foram para o meio do salão, abraçados. E, quando se despediram, ela o beijou na face, disse - Até o Carnaval que vem - e saiu correndo.
No baile do ano em que fizeram 13 anos, pela primeira vez as fantasias dos dois combinaram. Toureiro e bailarina espanhola. Formavam um casal! Beijaram-se muito, quando as mães não estavam olhando. Até na boca. Na hora da despedida, ele pediu:
- Me dá alguma coisa.
- O quê?
- Qualquer coisa.
- O leque.
O leque da bailarina. Ela diria para a mãe que o tinha perdido no salão.



***



No ano seguinte, ela não apareceu no baile. Ele ficou o tempo todo à procura, um havaiano desconsolado. Não sabia nem como perguntar por ela. Não conhecia a tal tia. Passara um ano inteiro pensando nela, às vezes tirando o leque do seu esconderijo para cheirá-lo, antegozando o momento de encontrá-la outra vez no baile. E ela não apareceu. Marcelão, o mau elemento da sua turma, tinha levado gim para misturar com o guaraná. Ele bebeu demais. Teve que ser carregado para casa. Acordou na sua cama sem lençol, que estava sendo lavado. O que acontecera?
- Você vomitou a alma - disse a mãe.
Era exatamente como se sentia. Como alguém que vomitara a alma e nunca a teria de volta. Nunca. Nem o leque tinha mais o cheiro dela.

Mas, no ano seguinte, ele foi ao baile dos adultos no clube - e lá estava ela! Quinze anos. Uma moça. Peitos, tudo. Uma fantasia indefinida.
- Sei lá. Bávara tropical - disse ela, rindo.
Estava diferente. Não era só o corpo. Menos tímida, o riso mais alto. Contou que faltara no ano anterior porque a avó morrera, logo no Carnaval.
- E aquela bailarina espanhola?
- Nem me fala. E o toureiro?
- Aposentado.
A fantasia dele era de nada. Camisa florida, bermuda, finalmente um brasileiro. Ela estava com um grupo. Primos, amigos dos primos. Todos vagamente bávaros. Quando ela o apresentou ao grupo, alguém disse -Píndaro?! - e todos caíram na risada. Ele viu que ela estava rindo também. Deu uma desculpa e afastou-se. Foi procurar o Marcelão. O Marcelão anunciara que levaria várias garrafas presas nas pernas, escondidas sob as calças da fantasia de sultão. O Marcelão tinha o que ele precisava para encher o buraco deixado pela alma. Quinze anos, pensou ele, e já estou perdendo todas as ilusões da vida, começando pelo Carnaval. Não devo chegar aos 30, pelo menos não inteiro. Passou todo o baile encostado numa coluna adornada, bebendo o guaraná clandestino do Marcelão, vendo ela passar abraçada com uma sucessão de primos e amigos de primos, principalmente um halterofilista, certamente burro, talvez até criminoso, que reduzira sua fantasia a um par de calças curtas de couro. Pensou em dizer alguma coisa, mas só o que lhe ocorreu dizer foi - pelo menos o meu tirolês era autêntico - e desistiu. Mas, quando a banda começou a tocar Bandeira Branca e ele se dirigiu para a saída, tonto e amargurado, sentiu que alguém o pegava pela mão, virou-se e era ela. Era ela, meu Deus, puxando-o para o salão. Ela enlaçando-o com os dois braços para dançarem assim, ela dizendo - não vale, você cresceu mais do que eu - e encostando a cabeça no seu ombro. Ela encostando a cabeça no seu ombro.



agora começa a minha parte ( ou melhor "intromissão") no conto do Veríssimo



Ele: feliz. Ela: triste. Era Carnaval, mas não estavam no clube como das outras vezes. Ele estava andando apressado pela rua, atrasado para o chope com os amigos. Ela andava cabisbaixa e lentamente, sem a alegria dos outros carnavais, levando consigo mais malas do que seus braços poderiam suportar. A rua estava cheia de foliões.
- Ah, me desculpe – disse ele após ter esbarrado nela, deixando cair as malas que levava consigo.
Ele se abaixou para ajudá-la a pegar as malas caídas no chão, quando se deu conta de quem era a mulher.
- Eu te conheço de algum lugar...
- Acho que não – disse ela.
- Ah, conheço sim... Eu sou o Píndaro. Lembra?
Os dois riram por um instante de si mesmos. Não posso acreditar que a encontrei novamente, pensava ele. Ele esqueceu-se do chope e convidou-a para irem ao seu apartamento, que ficava ali perto, para conversarem.
Ela hesitou por alguns instantes, mas logo aceitou o convite.
- Realmente preciso descansar um pouco da viagem. E ainda preciso realizar a missão impossível de pegar um táxi nessa cidade em pleno carnaval.
Eles andaram um pouco e logo estavam no apartamento dele.
Ela disse-lhe que não havia mais ido ao clube no carnaval porque sua tia morrera e ela não tinha mais como ir, já que a tia é quem era sócia do clube. Contou-lhe como havia se casado sem sucesso e que agora estava focada em sua vida profissional. Na verdade ela estava mesmo era querendo justificar sua falta de sorte no amor. Estava se mudando para a cidade porque queria se especializar em sua carreira de bailarina.
- Eu sabia que você seria bailarina! Sempre dançou muito bem – disse ele.
Ele também não conseguiu chegar inteiro aos 30 anos, como já havia previsto. Passou por algumas namoradas, mas nada sério e não estava muito feliz com seu emprego de assistente administrativo. Seu chefe o “sugava”, como costumava dizer.
- Acabei de sair do meu trabalho.
- Mas você estava trabalhando no carnaval!?
- É. Tive que fazer umas horas extras pra cobrir o cheque especial.... E não vejo mais muita graça no carnaval como nos tempos de garoto.
- Mas como não vê mais graça no carnaval?
É por causa da sua ausência que não ligo mais para carnaval, pensava ele. Mas não teve coragem de dizer.
Depois de conversarem muito, ele foi até a estante e começou procurar por algo.
- Achei. – disse ele carregando nas mãos um disco antigo todo empoeirado.
Ele foi até o seu velho aparelho de som e pôs o disco a tocar.
- Lembra-se dessa música? – perguntou ele.
- Ah, aquela música que tocava ao final dos bailes.
- Vamos dançar mais uma vez. Eu nunca dancei com uma bailarina.
- Mas é claro.
Ela o puxou e foram sendo levados pelo som da Bandeira Branca e pela recordação dos tempos de baile. Não posso acreditar que estou novamente dançando com ela, pensava ele. Ele sentia os braços dela o enlaçando novamente como na última vez. Os seus olhos a penetravam fixamente. Chegaram mais perto um do outro. Os lábios dele vieram ao encontro dos dela. Eles se beijaram com tanta intensidade como nunca. Ele podia sentir seus pés flutuando serem levados pela bailarina.
- Agora eu tenho que ir – disse ela, se afastando dele.
Ela pegou suas malas rapidamente e correu em direção a porta, afinal no mundo dos 30 anos não é assim tão fácil se entender. Ele foi atrás dela. Não podia perdê-la novamente. Dessa vez não. O elevador nunca demorou tanto para subir assim, pensava ele.
Ela saiu tão apressada pela rua que nem percebeu o carro que vinha em sua direção. O seu corpo foi arremessado para longe, enquanto o carro corria ainda mais rapidamente para que ninguém o identificasse. Ele chegou a tempo de ver toda a tragédia.
Tudo estava acabado, pensava ele. Ela estava morta e ele também. Morto por dentro. Com um vazio ainda maior que o dominava. Ele foi até ela e a lavou com suas lágrimas, enquanto cantarolava Bandeira Branca para niná-la em seu sono eterno.