sexta-feira, 12 de março de 2010

O que importa

Eram pernas. Cheias e macias. Sobre elas deslizavam as meias. Em algodão branco, elas iam desenhando os traços das pernas. Acompanhavam a sinuosa curva da panturrilha até se render ao joelho e suas coxas. Nada mais importava na sala 301 do Colégio São Lucas. As pernas na primeira fila pareciam fulminar o olhar dele. Ele olhava pra outro lado. Desviava. Mas as pernas insistiam em olhar, em penetrar. Até que a dona das pernas se levantou e foi caminhando na direção dele. Ele intimidado se encolhia dentro de si, enquanto Ela se aproximava cada vez mais.
- Professor, posso ir ao banheiro?
- Pode sim...
Ela se virou por um instante, mas depois voltou e perguntou:
- Professor, o senhor não tem vergonha?
- De que? - respondeu assustado
- Veio trabalhar e nem fez a barba.
Ele riu aliviado.
- Mas nem precisa. Não vou cheirar o cangote de ninguém.
- Se você quisesse...
Ela saiu deixando seu rastro de sedução enquanto Ele permanecia inerte. Pelo menos não precisaria mais se preocupar com pernas por alguns minutos.
Ao fundo da sala um mar de sussuros se levantava ao vê-la passar. Meninas e meninos. Não importava. Elas a invejavam, eles a desejavam.
- De volta meninos! - gritou o professor.
Lá fora, ela passeava pelo corredor. Desfilando com a saia ameaçando subir e as meias fingindo secretar seu falso pudor.
Os poucos minutos de tranquilidade na sala 301 se esgotaram com a volta dela e o sinal da saída. No quadro, inumeráveis signos sem nenhum sentido pra Ela. Era o fim de uma tortura de duas horas de Vetores. Todos se espremiam na porta da sala para sair, exceto um aluno que ainda tentava entender os tais números imaginários. Ela saiu sem olhar pra Ele. "Não merecia nenhuma despedida" - pensava.
E lá estavam o professor e o menino. Agora eram os braços dele que olhavam. Os músculos saltando da camiseta apertada. Nada mais importava na sala 301 do Colégio São Lucas a não ser os braços do professor que fuzilavam o menino. As palavras do professor iam se perdendo no espaço enquanto o menino tentava equilibrar o lápis na mão e o seu desejo. Os braços grandes e solitários pareciam procurar alguém para aconchegar. O professor olhou para o menino. Um sorriso desenhava no canto do lábio dos dois. Não era uma cena inédita para nenhum deles. Os rostos foram se encontrando. O menino ainda com os olhos nos braços, e os olhos do professor procuravam os olhos do menino. Os lápis deixados de lado. Os cadernos, os livros, os números. Nada mais importava. Os olhos se fecharam e as bocas se abriram. Os braços finalmente encontraram um abraço e o menino tremia em êxtase. Nada mais importava na sala 301, a não ser o beijo.
Outro dia de aula começava. A mesma desordem de sempre na sala 301. Os mesmo alunos. O mesmo professor de matemática de ontem. Apenas uma coisa estava diferente. Ele segurava um pedaço de papel entre as mãos enquanto olhava para aquela pequena multidão caótica. De novo voltava-se para o papel e lia aquelas palavras para si:
EU SEI DE TUDO.VI VOCÊ ONTEM COM ELE. VI O BEIJO.
Ao fundo da sala, uma risada gratuita brotava dela. Tinha entregue o bilhete diretamente a Ele. Não queria se esconder. Para Ela não importava o segredo. "Se as pernas não tinham conseguido manipulá-lo, o bilhete assim o faria" pensava. Nada mais importava na sala 301 do Colégio São Lucas a não ser a sede dela por controle.

6 comentarios:

Luma Beatriz Peril disse...

João, definitivamente esse é um dos melhores textos qu eeu já li na minha vida!!!

muito, muito, muito bom!!!

Tipo, bom demais mesmo!

japms disse...

realmente nao presta pra contista.
tinha é que escrever um livro!

Marcella Linhares disse...

Demais João *-*
HAHAHA

Saudades!

Usui de Itamaracá disse...

Adorei o ritmo do conto, a construção dos personagens...
e com tão poucas palavras, descreveu-os psicologicamente direitinho! Nem precisou daquele avalanche de adjetivos...

"esse é um dos melhores textos qu eeu já li na minha vida!!!" [2]

Unknown disse...

Simplesmente fantastico. Você me surpreende a cada postagem, hauahauhau

Te amoooooooooooooooo

Unknown disse...

João, você arrasa! amei o conto
Tinha é que escrever um livro (2)